terça-feira, 2 de setembro de 2008

CARTA POÉTICA PARA MOACY CIRNE


Hoje, ao descer do ônibus com essa carta não escrita já no pensamento, me veio você. Com seu cheiro de sertão, com seus olhos cinzas de seca. Pois que todo sertanejo traz sua terra em seus olhos, carrega-a por sobre os ombros aonde for. Mas não é um fardo, é docemente leve, docemente salpicada na pele sulcada pelo sol.
Deixar o sertão é morrer pra se reinventar. Jamais seremos os mesmos. Quem sai do meio daquele fogaréu do meio dia, quem abandona a canção dos ventos da noite sertaneja só não perde sua identidade porque a leva na carne e nos olhos como a dor de um espinho de algaroba perfurando a sola do pé. O nosso sertão é como um bicho danado que nasce das corredeiras dos rios temporários na sua ânsia de encharcar a terra toda de uma vez. Quem já viu um rio botar cheia sabe do que estou falando. Ao mesmo tempo que destrói as margens e carrega tudo pela frente, ele encharca de vida e de verde toda a paisagem. Assim os homens sertanejos. Fortes e calados. De poucas palavras e grandes gestos. De poucos dizeres. De muita lida. Cercas vivas de pedras cruas. Todos nós, onde estivermos nos reconhecemos. Pelos olhos. Bando de homens seguindo a mesma estrada que vai dar sempre no mesmo lugar. Em algum pátio de capela onde toquem os sinos, onde haja uma vela acesa, uma procissão, uma fé.
Vejo juremas em flor em seus olhos. Ouço o aboio dos vaqueiros ao seu redor. Sinto o cheiro das jitiranas e o sabor dos umbus maduros nos seus olhos inquietos. O sertão não é só paisagem. O sertão é um modo de viver.